domingo, 3 de novembro de 2013

TEMPOS BICUDOS





Foi uma baita de uma euforia  quando o caminhão da SMO chegou aqui na Barreira Cravo. Veio cheiinho de operários. Dava gosto de ver. Eu bem que quis contá-los mas não deu jeito. Muita gente veio pra rua ver aquele mutirão. Organizou-se, logo, um pelotão para ir à padaria comprar bolo e leite para a moçada. Um homem jurava que aquilo era por um pedido seu - ele quer ser candidato a vereador; outro puxava brasa para América Teresa  - Teresa é vereadora.  Eu, no meu canto, cismando: “Aí, tem dente de coelho.” Se fosse varredura de uma rua, uma capina ou uma troca de lâmpadas... tudo bem. Dava pra aceitar. Até podia ser coisa da Vereadora. Por que, não? Mas aquele mundaréu de gente e ferramentas só podia ser coisa de gente grande. Gente grande mesmo. Maior, muito maior, do que esse prefeito, que esqueceram aí, no cargo. Digo isto assim não é por nada, não. É que o prefeito anda tão desacorçoado que ele está só aguardando a ordem para ir embora.  Já não move uma palha, sequer. Por vinte anos pelejou com a Rodovia do Contorno, sempre adiando sua inauguração. Vai ser em março, passou pra abril; depois, de abril pra maio. E veio assim de mes em mes, de ano em ano, de década em década. Cansou. Não quer mais nada.  E, de fato, esse movimento na Barreira Cravo não tinha nada a ver com ele.  O caminhão entrou na rua 5 e parou em frente ao nº 66. E pronto, desfez-se o mistério.  O pessoal desceu da carroceria e começou  a trabalhar. Tudo, então, tornou-se compreensível e até comovente. A obra não tinha nada a ver com o bairro, mas com uma moradora, a filha do Secretário de Obras, Uóxinton Granato. Era um mimo que um papai fazia pra filhinha do coração. Um eleitor-contribuinte falou, muito emocionado, que faria o mesmo por sua filha, também.  A dona tá reformando a casa e o papai veio ajudar. Tá ficando linda, que só vendo! Qualquer um que passar por ali vai ver que não estou mentindo. Esta administração municipal tem muito gosto! Não sei se vão colocar placa lá - Honestidade e Competencia. 




Aécio Neves é, rigorosamente, um homem do seu tempo. Se ele aparecer com um piercing no nariz, um alargador na orelha ou próteses subcutâneas todos compreenderão - é um jovem. E ele próprio bateria no peito e diria - "Eu sou um jovem eterno". Todo mundo sofre com a passagem dos anos, até o PT enrugou. Mas o Aécio...  Eu o vi, pela primeira vez, na TV, dando entrevistas e sendo fotografado quase grudado no caixão do seu tio Tancredo Neves. Ali, havia mais flashes e mais spots. Era um menino encantado com tantas luzes. E, de lá para cá, esse encanto jamais se desfez.  Foi feito deputado, presidente da Câmara Federal, Governador de Minas Gerais. E, agora, quer ser presidente da república. Mas sempre, sempre, sempre a mesma pessoa. Como diria a Professora Marlene Fernandes, um jovem correndo atrás da utopia. Tem gente que é assim obstinadamente jovem. Eu fico bobo... E, no caso do Aécio, ouso dizer, que ele está cada vez mais jovem. Anda mesmo metendo a mão em cumbuca.  Foi coisa de menino imaturo esse seu breve entrevero com a não menos destrambelhada Dilma Rousseff. Ela fez aquele incrível leilão de um  pobre e solitário lance. Aécio não perdeu tempo. Juntou a turma da imprensa e disparou seu  protesto juvenil:  “Temos de reestatizar a Petrobrás e entrega-la novamente aos brasileiros.” Foi na mosca. Tem muita gente que gosta disto. Ainda lambia as pontas dos dedos quando o telefone tocou. Era o Fernando Henrique Cardoso irritadíssimo. Nem ouviu saudação nenhuma; sentiu foi um coice no pé do ouvido: “Fui eu que criei esses leilões, que o PT condenou e, agora, aplica como se estivessem inventando alguma coisa”. E bateu-lhe o telefone. Aécio ficou com um pedaço de desculpas dependurado nos beiços. Como o Aécio não muda, não sabe que as coisas mudam. Ele não sabe, por exemplo, que o PT virou uma espécie de PSDB do Paraguai. 




O atacante Diego Costa meteu bola nas costas de Luís Felipe Scolari. Ou não, como o diria Caetano. Felipão não gostou nada, nada, da audácia do menino. Onde já se viu uma coisa dessas de recusar um convite para vestir a amarelinha? Diego, entretanto, não achou nada demais. Recusou o convite pronta e, porém, educadamente. Diego é brasileiro mas nunca jogou no Brasil. Vive na Espanha onde é amado e saudado nas ruas como um dos seus principais atletas; no Brasil, seria mais um disputando a mesma camisa.  Diego pensou, pensou, pensou e resolveu ficar onde estava. Pra que! Felipão não teve os mesmos bons modos do atleta;  virou bicho. Fez lembrar Fidel Castro querendo de volta os seus boxeadores Erislandy Lara e Guillermo Rigondeaux. Eles estavam no Rio de Janeiro, representando Cuba no PAN e resolveram fugir da concentração. Autoridades brasileiras os caçaram como a ratazanas e logo os devolveram em avião flertado na boca da madrugada. Presta atenção gente que tem maus exemplos fazendo seguidores no Brasil.  





Em 1982, Miro Teixeira, deputado federal, começava a ser assediado por “Luas pretas”,   um grupo em cujas afirmações não se punham dúvidas. Se ele falasse que a lura era preta todo  mundo acreditava.  Foi motivado por essas convicções que Miro enfrentou  Sandra Cavalcanti, no programa Aqui e Agora. Eram candidatos a Governador do Estado do Rio de Janeiro e faziam o primeiro debate.  Miro, com todas as letras e nenhuma ressalva, acusou a professora de ter jogado, no Rio da Guarda, mendigos e moradores de rua que viviam no Rio de Janeiro. Sandra trouxe de volta para o segundo debate aquela mesma denúncia fielmente redigida.  Colocou-a diante de Miro e falou:”Trago as suas denúncias por escrito. Quero ver você assinar!” Miro, sem pestanejar, falou – “Assino sem ler!” E assinou. Veio o processo e ele foi condenado. Desesperado pediu a um amigo que fosse à Sandra demovê-la daquela ação. Sandra, desprendida e generosa, aceitou a retratação e retirou o processo. Ela é mesmo desprendida. Continua pobre, morando numa casa modesta na rua Peri onde vive da aposentadoria. Vale a pena lembrar uma história dessas, uma pessoa dessas, nesses tempos tão bicudos. 

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