domingo, 29 de janeiro de 2017

OS ZEROIS BRASILEIROS



Um homem invade uma casa. Não encontra comida. Surra a moradora. Domina-lhe o filho, enfia seu órgão sexual numa gaveta e tranca com chave. Ateia fogo à casa. Desesperado o rapaz corta o próprio penis para salvar a vida. Contado assim até parece filme. Pior que não. É coisa de um dos heróis brasileiros - Lampião, o Rei do Cangaço. Por 22 anos viveu assim. Ele e seu bando arrasavam vilas, estupravam mulheres, castravam rapazes, sangravam inocentes em praça pública, marcavam a ferro em brasa o rosto das moças que se vestiam de forma inconveniente. Poderosos da região se punham de joelhos implorando verbas federais para o combate aos cangaceiros. Por baixo dos panos, a conversa era outra: faziam acordo com o chefe da gangue, vendiam-lhe armas e contratavam seus serviços para eliminar desafetos. Tutti buona gente. Sertanejos desesperados faziam quilométricas filas indianas para o sudeste. O latifúndio agradecia e crescia. Por quase três décadas a antropóloga Luitgarde Cavalcanti pesquisou esse fenômeno. E resultou no livro A Derradeira gesta: Lampião e Nazarenos guerreando no sertão. Para ela Lampião viveu 22 anos praticando crimes só porque servia a classe dominante. Mas os descendentes dos seus coiteiros se sentiam incomodados com essa herança. No início dos anos 40, deram início a recuperação do nome de Lampião. Melchiades da Rocha, repórter do A Noite começou a construção do mito no jornal e seu irmão Melchiades, médico, senador e cordelista fazia sua parte pelo outro lado. Jogando nas três. Eles eram descendentes de “coiteiros” . Esta new look do bandido atendia melhor a uma pá de potentados regionais e caía como uma luva para a propaganda comunista no Brasil, como exemplo de herói camponês. A Internacional Comunista pensou em recrutá-lo como guerrilheiro revolucionário. Não deu. Ao fim e ao cabo se contentaram com Dilma, Genoíno, Marighela, Lamarca... Um dia, quem sabe, vão querer para eles também um lugar de herói.

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